Olho em volta de mim. Todos possuem -
Um afecto, um sorriso ou um abraço.
Só para mim as ânsias se diluem
E não possuo mesmo quando enlaço.
Roça por mim, em longe, a teoria
Dos espasmos golfados ruivamente;
São êxtases da cor que eu fremiria,
Mas a minh'alma pára e não os sente!
Quero sentir. Não sei... perco-me todo...
Não posso afeiçoar-me nem ser eu:
Falta-me egoísmo para ascender ao céu,
Falta-me unção p'ra me afundar no lodo.
Não sou amigo de ninguém. P'ra o ser
Forçoso me era antes possuir
Quem eu estimasse - ou homem ou mulher,
E eu não logro nunca possuir!...
Castrado de alma e sem saber fixar-me,
Tarde a tarde na minha dor me afundo...
Serei um emigrado doutro mundo
Que nem na minha dor posso encontrar-me?...
Como eu desejo a que ali vai na rua,
Tão ágil, tão agreste, tão de amor...
Como eu quisera emaranhá-la nua,
Bebê-la em espasmos de harmonia e cor!...
Desejo errado... Se a tivera um dia,
Toda sem véus, a carne estilizada
Sob o meu corpo arfando transbordada,
Nem mesmo assim - ó ânsia! - eu a teria...
Eu vibraria só agonizante
Sobre o seu corpo de êxtases doirados,
Se fosse aqueles seios transtornados,
Se fosse aquele sexo aglutinante...
De embate ao meu amor todo me ruo,
E vejo-me em destroço até vencendo:
É que eu teria só, sentindo e sendo
Aquilo que estrebucho e não possuo.
Paris, Maio de 1913
Mário Sá Carneiro
P.S.: Um dos melhores poetas portuguesas, mas pouco conhecido... Quando falo dele pensam que falo do político...
3 comentários:
nunca possuímos nada, excepto o material, o desinteressante e o fútil... o que realmente interessa, apenas pedimos emprestado.
Bernardo, meu caro e fiel comentador, no que toca a poesia sou uma nulidade... Nem tenho o dom para a criar nem mesmo para a apreciar.
Mas sei quem é o Mário de Sá-Carneiro! Graças ao secundário, claro, mas vá lá! Pelo menos não o confundo com um político. lol
A Falhada
Jessica, podes não ter o dom para criar, mas acredita que um dia destes vais encontrar um poema que te vai fascinar... Fico contente por saberes quem é hehe =)
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